quarta-feira, julho 06, 2005

LEGADOS DO ALGODÃO*


A presença do algodão na história da Região Nordeste pode ser percebida nos nomes geográficos (a cidade de Algodão de Jandaíra, na Paraíba; o Rio dos Algodões, em Pernambuco; a Lagoa dos Algodões, no Piauí; a Serra dos Algodões, em Pernambuco), na bandeira de alguns Estados (Rio Grande do Norte e Alagoas), nos brasões (Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas), que exibem imagens de ramas ou capulhos do vegetal, e na literatura.

Em prosa, como no romance São Bernardo, do alagoano Graciliano Ramos, no qual o fazendeiro Paulo Honório, lamenta-se após o suicídio da esposa: “Uma infelicidade não vem só. As fábricas de tecidos, que adiantavam dinheiro para a compra de algodão, abandonaram de chofre esse bom costume e até deram para compra fiado. Vendi uma safra no fuso, e enganaram-me na classificação.”

E em versos, como no auto de Natal Morte e vida severina, do pernambucano João Cabral de Melo Neto, quando o retirante responde a uma rezadeira que lhe perguntara o fazia na terra abandonada:

“Conheço todas as roças
que nesta chã podem dar:
o algodão, a mamona,
a pita, o milho, o caroá.”

Ao que lhe informa a mulher:

“Esses roçados o banco

já não quer financiar.”

No século 17, o algodão tinha tanta importância que os novelos de fios e tecidos desse produto chegaram a ser usados como moeda. No Maranhão, em 1653, o padre Antônio Vieira, de acordo com Oscar Pilagallo, em A aventura do dinheiro: uma crônica da história milenar da moeda, afirmou: “O dinheiro desta terra é o pano de algodão. O preço ordinário por que servem os índios, e servirão cada mês, são duas varas deste pano que valem dois tostões”. Uma vara equivale a 1,10 metro. Alcântara Machado, em Vida e morte do bandeirante, informa que na Região Sudeste os panos de algodão também eram utilizados como moeda por causa de sua facilidade de se dividir.

Segundo Prado Júnior, em História econômica do Brasil, o uso de materiais de algodão como moeda ficou tão arraigado na cultura do Maranhão que, no começo do século 19, seus moradores expressavam valores monetários utilizando formas da cultura algodoeira: “novelo de fio” significava 100 réis e rolo de pano 10 mil réis. Manuel Correia de Andrade, no livro A terra e o homem no Nordeste, relata que ainda no século 20, em algumas ocasiões, o algodão era utilizado para pagamento de dívidas.

São Paulo, setembro de 2003


* Trecho da monografia Algodoeiros Nordestinos: Histórias e Desafios, apresentada no curso de MBA – Derivativos e Informações Econômico-Financeiras, da Fundação Instituto de Administração, FEA/USP