segunda-feira, julho 11, 2005

DE MACACOS E DE HOMENS


Nasci macaco. Morrerei homem.

Macaco sim. Sem rabo, com polegares (um em cada mão), colhendo frutas, comendo insetos, andando só com os dois pés, entrando em grutas, jogando ossos, fornicando a fêmea frente a frente. Mas ainda macaco.

Até que certo momento, veio-me consciência: já não era macaco, eu era homem.

Tentarei explicar:

Dia desses (o registro de tempo ainda me confunde), sob um sol escaldante, andando pelas margens de um grande lago salgado, vi uma poça com pedaços de cogumelo dentro, certamente levados pelos vento (se bem que há quem diga que eles foram jogados por deuses astronautas). A água da poça estava com um brilho específico, o que aguçou minha curiosidade, além de minha sede. Não resisti e experimentei.

Apesar da água estar suja e muito quente, quase fervendo, o gosto era ótimo e tive sensações estranhas. O coração acelerou-se, a respiração ficou tranqüila, umas cores muito lindas se alternavam, escutei zumbidos, tive frio, um gosto de banana verde travou-me a língua, senti cheiros de fruta mofada. Uma intensa euforia tomou conta de mim, seguida de um rápido, porém profundo, desmaio.

Ao despertar, a consciência estava em mim: eu era homem, já não era macaco.

E tentei ser senhor do mundo...


Tempos se passaram. Minhas tentativas (todas) fracassaram. E, após muitos goles de tisanas de cogumelo, uma dúvida, entre tantas, angustia-me em especial: meus pais nasceram sabe-se lá como e morreram macacos; eu nasci macaco e morrerei homem; meus filhos nasceram homens. Mas como hão de morrer?

São Paulo, segundo semestre de 1999