Rio das Capivaras
Cá estão prosas e versos de Rodrigo Garcia
domingo, setembro 27, 2020
QUADRILLE
A Angela Garcia e Gustavo Damasceno
Grita o gritador:
- Alavantu!
(ou, como dizem os gauleses, en avant tous!)
- Olha a cobra!
- A ponte caiu!
- É mentira!
Viva São João!
É verdade.
São Paulo, 23 de junho de 2020
sábado, setembro 26, 2020
sexta-feira, maio 26, 2006
sábado, novembro 05, 2005
MARÉS
Mediterrâneo.
Vermelho.
Morto.
Das Caraíbas
(Andar entre calangos,
Nadar entre pelicanos).
Muitos mais mares banhar-me-ão...
Tomara
Caracas, 2 de novembro de 2005
quarta-feira, setembro 14, 2005
quinta-feira, agosto 04, 2005
SANTA LUZIA
Luzia, Santa Luzia,
És minha estrela-guia,
És a luz que me alumia.
Vejo-te em Daniela,
Nos olhos dela.
Quero-os só pra mim.
É difícil (bem sei), mas
Quero-os só pra mim.
Toco,
Aliso,
Lambo,
Trago.
— Num pote estão os santos olhos!
Gala e lágrima os conservem.
São Paulo, dezembro de 1993
quarta-feira, agosto 03, 2005
PEÇA ORATÓRIA*
Sou gago, mas não sou Demóstenes. Peço, pois, a Calíope, musa da eloqüência, auxílio; e a vós, paciência. Porém ficai tranqüilos: serei breve e não citarei Saint-Exupéry.
Há quatro anos e meio adentramos em mais um barco, o curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco, dessa vez rumo a um diploma.
A viagem foi conturbada, com tormentas e bonanças.
E hoje, ao chegarmos ao porto não tão seguro da vida profissional, é inevitável a saudade dos companheiros que foram navegar em outros mares: João Pessoa, Brasília, Petrolina, Panquecas e alhures.
Também vêm à memória lembranças da jornada: aulas esdrúxulas, debates infindos, brincadeiras reveladoras, sala i (onde tão coisa rolou) et cetera e et cetera e tal.
Entretanto, é deveras dolorosa admitir, o que mais marca esta quase qüinqüênio é a mediocridade reinante na Universidade.
O principal motivo desta catástrofe são professores, funcionários e alunos inaptos para uma instituição produtora e distribuidora de conhecimentos.
Porém não acusemos somente a Universidade. A mediocridade não é exclusividade sua. A mídia também está plena de sandices e mais sandices.
É... O mestre Raul Pompéia tinha razão: A escola não forma a sociedade, reflete-a.
Mas hoje é dia de júbilo. Encerramos outra etapa da vida. Regozijemo-nos, pois.
Findo, então, esta peça oratória com o otimismo do genial Oswald de Andrade, vaticinando: A massa ainda comerá do biscoito fino que fabricaremos.
Recife, julho de 1990
* Lida pelo autor na colação de grau da turma de Comunicação Social
sexta-feira, julho 22, 2005
À SOMBRA DO BAOBÁ EM FLOR
À sombra do baobá em flor,
Encontro-a.
Triste vate vejo nos olhos seus.
Excito-me e falo-lhe:
“Já que ambos amamos a Pessoa,
Vamos juntos navegar.
Tuas alvas carnes, quero-as semear.”
Responde-me ela:
“Afasta-te, sátiro!
Teu ‘membrum virile’ a mim não faz serventia.
Apraz-me muito mais uma língua.
Língua que é prazer,
Como a de Cecília e de Florbela.”
Replico-lhe eu:
“Língua, também a tenho.
Eça não sou,
Não a bem sei usar.
Posso, contudo, um pouco de orgasmo te dar.”
É inútil.
Ofende-me ela. De Bukowski chama-me.
Não desisto e não insisto,
Apenas digo:
“Já que comigo não queres fornicar,
Só me resta pela mão viver.”
Recife, 16 de janeiro de 1987
segunda-feira, julho 11, 2005
O AUTOR
Cai o pano.
Aplausos. Muitos aplausos. Mas muitos mesmo.
— Bravo! Bravíssimo!
— Estupendo! Supimpa!
— Vivas aos atores e às atrizes!
— Viva! Viva! Viva!
— Vivas também ao diretor!
— Viva!
— Espetáculo perfeito!
— Concepção e execução!
— Nunca vira o Santa Isabel nada igual!
— Nem o São Carlos!
— Que venha o autor!
— Isso, isso! Que venha o autor!
— O autor, o autor! Queremos o autor!
— Que venha o autor! Queremos o autor!
— Ele não está demorando?
— Que coisa mais chata. Falta de modos.
— Deveras desagradável.
Os aplausos definham-se rapidamente.
Logo surge um apupo. E imediatamente outro. E mais outro também.
As vaias tornam-se ensurdecedoras.
— Mas que autor filho de prostituta!
— Um reles escriba metido à besta!
— Bastardo ignóbil!
— Biltre imbecil!
— Falta de respeito ao público!
— Esse merda tá pensando que é quem? Gil Vicente?
— Ele não merece o chão que pisa!
Uma das divas (a melhor) vai à coxia.
— Mestre, por que não vais tu ao palco as loas receber?
— Não, não, não! Eles não podem saber que eu sou o autor.
São Paulo, 17 de dezembro de 2000
DECÁPODES
Pernas cabeludas inundam-me a língua
(Qual perro pavloviano).
— Como é bom uma carangueja arreganhada!
São Paulo, 21 de outubro de 1994
DE MACACOS E DE HOMENS
Nasci macaco. Morrerei homem.
Macaco sim. Sem rabo, com polegares (um em cada mão), colhendo frutas, comendo insetos, andando só com os dois pés, entrando em grutas, jogando ossos, fornicando a fêmea frente a frente. Mas ainda macaco.
Até que certo momento, veio-me consciência: já não era macaco, eu era homem.
Tentarei explicar:
Dia desses (o registro de tempo ainda me confunde), sob um sol escaldante, andando pelas margens de um grande lago salgado, vi uma poça com pedaços de cogumelo dentro, certamente levados pelos vento (se bem que há quem diga que eles foram jogados por deuses astronautas). A água da poça estava com um brilho específico, o que aguçou minha curiosidade, além de minha sede. Não resisti e experimentei.
Apesar da água estar suja e muito quente, quase fervendo, o gosto era ótimo e tive sensações estranhas. O coração acelerou-se, a respiração ficou tranqüila, umas cores muito lindas se alternavam, escutei zumbidos, tive frio, um gosto de banana verde travou-me a língua, senti cheiros de fruta mofada. Uma intensa euforia tomou conta de mim, seguida de um rápido, porém profundo, desmaio.
Ao despertar, a consciência estava em mim: eu era homem, já não era macaco.
E tentei ser senhor do mundo...
Tempos se passaram. Minhas tentativas (todas) fracassaram. E, após muitos goles de tisanas de cogumelo, uma dúvida, entre tantas, angustia-me em especial: meus pais nasceram sabe-se lá como e morreram macacos; eu nasci macaco e morrerei homem; meus filhos nasceram homens. Mas como hão de morrer?
São Paulo, segundo semestre de 1999
QUE PAÍS É ESTE? *
Em que país se pode ver jovens russos, etíopes, drusos e latino-americanos, com seus rifles, tomando sorvete na praça? Em que país há quatro mares, desertos, crateras e picos nevados? Que país é tão jovem (só 56 anos) e tão velho (mais de 5.700 anos) ao mesmo tempo? Em que país muitos latino-americanos se sentem tão seguros e tão inseguros? A resposta dessas perguntas (e de muitas outras) é única: Israel.
Israel é comer salada e peixe no café da manhã. É plantar tomate no Deserto de Negev. É tomar banho sem afundar num mar onde não há vida. É emocionar-se com a fé de tantas religiões, mesmo que o observador seja ateu. É perceber que a guerra faz parte da vida do povo. É ver um palestino legislar na Knesset, mas não ver nenhum no Exército. Israel é tudo isso e muito mais.Como bem definiu Ben Gurion, o primeiro primeiro-ministro dos israelenses, "Israel tem tanta história para tão pouca geografia".
Mas Israel não é apenas história. O país também tem muito presente e muito mais futuro.
Entretanto como mostrar tudo tudo isso em poucas linhas ou em poucos segundos? Como explicar aos leitores e/ou ouvintes que há crianças enfrentando tanques com pedras, mas que elas podem estar com bombas e os tanques podem estar protegendo inocentes? E como contar que há ambulâncias que salvam vidas e há outras que levam a morte?
Enfim, como mostrar Israel com todos seus paradoxos e tantas sutilezas?
Uma forma é mostrar todos os lados que estão envolvidos nas questões. Mas são tantos e com tantas divisões e subdivisões?As dificuldades começam com os nomes: Monte do Templo ou Esplanada das Mesquitas? Judéia e Samaria ou Cisjordânia? Execução legal ou assassinato? Israel ou Palestina?
E os números, então. Cada lado calcula a sua maneira. Há muito tempo que a matemática não é neutra.
Parece ser uma missão impossível.Parece e é.
Mas não é porque é impossível que os jornalistas não devem tentar. Afinal, mostrar todos os aspectos de um fato, sendo o mais imparcial possível, é a obrigação dos jornalistas. Que Mercúrio, deus dos jornalistas, os proteja! Porém que ninguém se esqueça (nem um lado, nem outro, nem os jornalistas e, principalmente, nem os leitores/ouvintes): Os fatos são os fatos e as notícias são somente as narrativas dos fatos.
Kibutz Shefayim, junho de 2004
* Trabalho de conclusão do curso Os Meios de Comunicação em Áreas de Conflito
quarta-feira, julho 06, 2005
PIRANHAS
Numa noite dessas,
Que às vezes há,
Em que não há luar,
Estou na piscina
Nu a nadar,
Quando aparecem piranhas
Olhando para meu sexo
De um jeito vulgar.
Daí eu percebo
Que elas querem me castrar.
Fico paralisado,
Começo a mijar.
Mas lembro-me de implorar:
— Por favor, não me capem.
Ainda tenho muito o que transar!
Recife, 14 de maio de 1983
LEGADOS DO ALGODÃO*
A presença do algodão na história da Região Nordeste pode ser percebida nos nomes geográficos (a cidade de Algodão de Jandaíra, na Paraíba; o Rio dos Algodões, em Pernambuco; a Lagoa dos Algodões, no Piauí; a Serra dos Algodões, em Pernambuco), na bandeira de alguns Estados (Rio Grande do Norte e Alagoas), nos brasões (Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas), que exibem imagens de ramas ou capulhos do vegetal, e na literatura.
Em prosa, como no romance São Bernardo, do alagoano Graciliano Ramos, no qual o fazendeiro Paulo Honório, lamenta-se após o suicídio da esposa: “Uma infelicidade não vem só. As fábricas de tecidos, que adiantavam dinheiro para a compra de algodão, abandonaram de chofre esse bom costume e até deram para compra fiado. Vendi uma safra no fuso, e enganaram-me na classificação.”
E em versos, como no auto de Natal Morte e vida severina, do pernambucano João Cabral de Melo Neto, quando o retirante responde a uma rezadeira que lhe perguntara o fazia na terra abandonada:
“Conheço todas as roças
que nesta chã podem dar:
o algodão, a mamona,
a pita, o milho, o caroá.”
Ao que lhe informa a mulher:
“Esses roçados o banco
já não quer financiar.”
No século 17, o algodão tinha tanta importância que os novelos de fios e tecidos desse produto chegaram a ser usados como moeda. No Maranhão, em 1653, o padre Antônio Vieira, de acordo com Oscar Pilagallo, em A aventura do dinheiro: uma crônica da história milenar da moeda, afirmou: “O dinheiro desta terra é o pano de algodão. O preço ordinário por que servem os índios, e servirão cada mês, são duas varas deste pano que valem dois tostões”. Uma vara equivale a 1,10 metro. Alcântara Machado, em Vida e morte do bandeirante, informa que na Região Sudeste os panos de algodão também eram utilizados como moeda por causa de sua facilidade de se dividir.
Segundo Prado Júnior, em História econômica do Brasil, o uso de materiais de algodão como moeda ficou tão arraigado na cultura do Maranhão que, no começo do século 19, seus moradores expressavam valores monetários utilizando formas da cultura algodoeira: “novelo de fio” significava 100 réis e rolo de pano 10 mil réis. Manuel Correia de Andrade, no livro A terra e o homem no Nordeste, relata que ainda no século 20, em algumas ocasiões, o algodão era utilizado para pagamento de dívidas.
São Paulo, setembro de 2003
* Trecho da monografia Algodoeiros Nordestinos: Histórias e Desafios, apresentada no curso de MBA – Derivativos e Informações Econômico-Financeiras, da Fundação Instituto de Administração, FEA/USP
sexta-feira, julho 01, 2005
LAMA ANTIGA
Ao mestre José Antônio Gonsalves de Mello
Quando ele chegou, conta-nos o historiador,
O Recife era “um burgo triste e abandonado,
Que os nobres de Olinda deviam atravessar
Pisando em ponta de pé,
Receando os alagados e os mangues”.
Em 1654, foi-se o batavo.
A lama ficou.
Putrefando-nos.
Purificando-nos.
São Paulo, 22 de outubro de 1997
QUASE UM HAICAI SILVESTRE
Na mata rala,
A fada fala a tara:
Uma gota de gala no cu de Carla agrada Clara.
São Paulo, 22 de maio de 1993
CARNAVAL DE 19
Evoé! Esta terça está supimpa! O século XX só começa agora!
Findou-se a guerra. Foi-se a espanhola. O hedonismo ressurgiu nas ruas. Serpentinas caem no chão. Confetes ficam nos cabelos. Onde antes empestava um cheiro enjoado de cal, agora só se sente o odor estonteante dos lança-perfumes e das limas-de-cheiro. Acabou o preto dos lutos, chegando as fantasias coloridas e ousadas da mocidade: arlequinas, bufões, melindrosas e mais algumas inspiradas no teatro italiano. Os jovens abandonaram as luvas (que coragem!). Não temem espirros nem beijos. Nada mais de leitinho quente nem de caldo de galinha. O bom é comer dos picantes: salame, fiambre, presunto, defumados, o que houver na venda. Instantes atrás um bêbado pândego passou berrando: “Chega de mortandade, eu quero é mortadela!”.
Fora Tanatos! Vivas a Momo!
Há pouco presenciei uma cena que enrubesceria até meu irmão mais velho. Rapazes e moças, todas de boa família, de mãos dadas, formando uma roda, estavam a cantar uma modinha bastante saliente:
Rapazes: “Na minha casa, não se racha lenha.”
Moças: “Na minha, racha; na minha, racha.”
Moças: “Na minha casa, não se pica fumo.”
Rapazes: “Na minha, pica; na minha, pica.”
Fiquei estupefato. E (confesso) apreciei deveras. Excitei-me até, ocorrendo uma polução vespertina inesperada.
Mal vejo a hora de participar do carnaval pós-tísica.
quinta-feira, junho 30, 2005
TÉDIO
TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO
TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO
TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO
TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO
TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO
TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO
TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO
TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO
TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO TÉDIO
TÉDIO TÉDIO TÉDIO MORTE TÉDIO TÉDIO TÉDIO
quarta-feira, junho 29, 2005
GARÇAS DO RECIFE
A Carlos Garcia, por também ter-me ensinado a ver garças
Chegaram antes de nós.
Segundo certos naturalistas, vieram nadando.
Mas, um dia, saíram. Voando. Fugindo da falta de mato.
Com a volta do mangue, reapareceram.
(Como se fora geração espontânea)
Aurora,
Arrabaldes,
Além dos arrabaldes,
As garças estão por aí...
São Paulo, 20 de novembro de 1999